Há muito já se fala que as religiões nascem com o propósito de explicar o mundo à sua volta. Uma manifestação não apenas da curiosidade humana, mas também puramente geográfica. Isso pode ser observado nos mitos de criação. Para os Judeus, que viviam no deserto, os seres humanos nasceram do barro; para os Maori, que viviam em ilhas, os seres humanos nasceram dos mares; para os Karajá, que habitam as margens do grande Araguaia, os seres humanos nasceram do rio; para os Yanomami, que vivem na floresta Amazônica, os seres humanos nasceram da floresta; e assim por diante.
Os mitos são diversos, mas com muitas similaridades. Tamanha são essas semelhanças que as mitologias criacionistas podem ser divididas em: existe um início e um fim, ou o tempo eterno, cíclico, sem começo e sem fim. O deus da criação e destruição Shiva, no hinduísmo, é um exemplo de tempo cíclico. A divindade, cria o universo ao abrir os braços e o destrói ao fechar, numa espécie de dança cósmica. Para o Jainismo, uma das religiões mais antigas da Índia antiga, o universo é eterno, nunca foi criado e nunca vai desaparecer.
As mitologias criacionistas também podem se dividir em três categorias: as que necessitam de um criador, um ser divino que dá origem ao mundo (sendo essas as mais comuns entre as religiões); as que não dependem da ação de um criador, afinal o mundo/universo foi criado sozinho ou sempre existiu; e por fim, o mundo que nasce do caos, da desordem.
Independente da categorização, todas essas mitologias demonstram uma forma de enxergar o grande drama humano, a briga com o tempo e com o fato de sermos mortais e passageiros. O pós-vida pode ser desfrutar da eternidade, ou voltar numa próxima vida, mas todos eles exploram a possibilidade de haver algo após a inevitável morte. Afinal, o ser humano é o único animal que possui a dura consciência da morte, do fim.
O século VI antes de Cristo, marcado pelo surgimento do budismo na Índia, do taoismo e Confúcio na China e dos filósofos pré-socráticos, foi muito importante para o surgimento do pensamento científico. É nele que os filósofos se propuseram a responder os grandes mistérios da vida, mas sem utilizar o divino nos seus argumentos.
Tales de Mileto foi o primeiro a se perguntar do que o mundo é feito. Ele propunha que a água era a substância fundamental da natureza, mas não pelas características que conhecemos hoje. A água para Tales é a transformação (líquida, gasosa e sólida), e tudo na natureza está sempre em transformação. Já para Pitágoras, ou para a ceita de Pitágoras, a resposta está na matemática, entre muitos outros exemplos. A partir desse momento, começamos a fazer as grandes perguntas e a tentar respondê-las atribuindo suas causas ao mundo natural.
Em plena segunda década do século XXI, não temos mais a necessidade do divino para entender o universo e seus mistérios. A pandemia do novo coronavírus é enfrentada pelo conhecimento científico, pela medicina moderna, e teremos pleno controle da doença através da vacina. Não venceremos o vírus fazendo oferendas e sacrifícios aos deuses. No entanto, a religião permanece com suas funções sociais, oferecendo conforto àqueles que estão fechados em suas casas ou tendo que enfrentar locais infectados.
A religião, assim como qualquer outro organismo, precisa se adaptar para sobreviver. Absorver novas ideias, novos conceitos. Condenar a homossexualidade e promover a intolerância religiosa não tem mais lugar no mundo moderno. E por mais que ainda tentem empurrar ideais arcaicos religiosos na política, a mudança é inevitável.
Termino com um trecho do livro Homo Deus de Yuval Harari: "No decorrer da história, profetas e filósofos alegaram que, se os humanos deixassem de acreditar num grande plano cósmico, toda lei e toda ordem iriam desaparecer. Hoje, porém, quem representa a maior ameaça à lei e à ordem globais são exatamente aqueles que continuam a acreditar em Deus e em todos Seus planos abrangentes. Uma síria temente à Deus é um lugar muito mais violento do que os Países Baixos Ateus."
Referências:
Os segredos da existência: Realidade e Metafísica com o professor Marcelo Gleiser, aula do curso de neurociências da PUCRS.
Homo Deus - Yuval Noah Harari 2016
* Apesar de usar como base para o texto a aula do professor Marcelo Gleiser, as reflexões, conexões e críticas aqui apresentadas são minhas.
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