Um tema muito interessante de se abordar na história da arte é o preconceito. Muitas obras, apesar de não terem a intenção de serem preconceituosas ou maldosas, nos revelam muitos sentidos que podem justificar comportamentos sociais complexos. Como por exemplo, o esteriótipo da mulher e o corpo. As representações da deusa Vênus e os esteriótipos criados na arte ao longo dos séculos é um excelente exemplo da construção do corpo da mulher como um objeto de desejo masculino. Não diminuo no entanto, a importância e contribuições feitas pelas artes e pelos artistas a seguir.
Vênus de Willendorf (imagem abaixo), uma das representações artisticas mais antigas da história da humanidade é um excelente ponto de partida. Descoberta na Áustria, a pequena estátua de 11 cm data de 25 a 20 mil anos antes de Cristo. A obra mostra os seios e a vulva da mulher destacados, provavelmente uma referência à fertilidade. A imagem não possui rosto, braços ou pés. A mulher é, seja para a cultura, arte, filosofia ou teologia, o corpo, e a Vênus de Willendorf é a primeira evidência dessa relação do corpo feminino com a sociedade.
A seguir temos variantes da Vênus Pudica. A primeira deusa representada nua enquanto se prepara para um banho. A obra original data o século IV a.C. A escultura mostra a deusa escondendo sutilmente a sua vagina como um apelo erótico. Para o homem, uma mulher completamente nua não é considerada tão sensual quanto uma camiseta molhada, um lingerie ou uma mão bloqueando a visão dos órgãos genitais. A sedução atribuída ao corpo da mulher dá a infeliz origem à expressão 'Doença Venérea' para doenças sexualmente transmissíveis. Vênus, do Italiano Venere. A imagem é a representação da sedução feminina sob o ponto de vista de um artista do sexo masculino.
Uma das esculturas mais conhecidas da história da arte e reproduzida por inúmeros artistas ao longo dos séculos, a Vênus de Milo é mais um exemplo da representação do corpo feminino como objeto de sedução. A figura exalta as curvas no corpo da deusa e traz um modelo de beleza. A sua perna esquerda pouco elevada e a sua nádega parcialmente a mostra faz um apelo erótico ao feminino. A escultura, possivelmente do século II a.C. serve como modelo das medidas da Miss Universo. Um esteriótipo da mulher fisicamente perfeita, criada por um homem e utilizada até hoje como padrão de medida.
As representações de Vênus são incontáveis. No entanto, uma das obras mais conhecidas é o Nascimento de Vênus do pintor italiano Sandro Botticelli. A imagem mostra a deusa nua, bloqueando a vista das suas genitálias com as mãos (assim como nas obras anteriores), com os seus cabelos soltos ao vento sobre uma concha (simbolo da genitália feminina). Os cabelos longos e soltos tornam-se símbolo da sedução. A mulher passa a se definir pelos cabelos. Realidade que reflete até os dias de hoje. Começamos a entender por que o cabelo é um item tão importante da vaidade feminina.
O pintor francês William Bouguereau do século XIX é um bom exemplo da utilização dos longos cabelos soltos e longos como forma de sedução. Bouguereau também apresenta um modelo feminino sem pelos pubianos e sem divisão vaginal. Um modelo do feminino muito utilizado na pornografia.
A Vênus do artista russo Boris Kustodiev e do artista francês Alexandre Cabanel, ambos do século XIX, também mostram o mesmo modelo da Vênus sedutora e reforçam a relação do cabelo com a sedução. No entanto, o comportamento da mulher retratada é mais 'convidativo' ao sexo.
Em outras representações, temos a figura da mulher deitada sobre a cama com as mesmas características apresentadas nas obras anteriores. Nas obras de Ticiano, Giorgione e Modigliani a sedução é ainda mais explicita e provocativa. O historiador Leandro Karnal define as diferentes proporções do corpo feminino apresentadas em diversos países como a Geografia do Desejo. Na Itália por exemplo, o ventre é mais importante que o seio.
As representações da deusa Vênus por diferentes artistas pelo mundo ao longo dos séculos, mostram a construção do modelo físico feminino sob o ponto de vista predominantemente masculino. O esteriótipo que temos hoje como a mulher perfeita é o resultado de uma longa construção histórica e artística e muito difícil de ser quebrada.
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