A arte é muito subjetiva. Para muitos, é difícil dizer o que é arte e o que não é. Vale lembrar do caso do museu de Bozen, na Itália, no qual funcionários confundiram uma obra que criticava a sociedade consumista com lixo e a jogaram fora. Mas há uma definição muito interessante proposta pelo pai da antropologia moderna, Franz Boas (1858-1942) . No livro Arte Primitiva, leitura obrigatória para qualquer artista, Boas propõe que é essencial que a arte tenha dois lados. A pura forma e a ideia relacionada à forma. Quanto mais firme for a associação entre esses dois lados, maior será o caráter expressionista da arte.
Por essa definição de arte eu gostaria de oferecer a seguinte reflexão ao artista. A sua arte possui forma e ideia? Essa questão começou a me assombrar muito no último ano e me fez tomar novos caminhos na produção artística. Percebi que, como desenhista realista, eu posso ficar preso na pura forma técnica e deixar a ideia completamente de lado. Observo isso em muitos dos grandes desenhistas realistas do Brasil. Profissionais maravilhosos com técnicas incomparáveis de hiper-realismo, mas onde está a ideia. Só é possível ver a forma na obra. Literalmente cópias de imagens de alta resolução de celebridades, o que gera uma monotonia enorme nesse meio artístico realista.
Esses artistas realistas se entregam à "hype", ou a moda do momento e reproduzem com maestria retratos realistas do ator/personagem/celebridade. Eu mesmo já perdi a conta de quantas vezes também o fiz. Não há nada de errado em entrar numa moda e reproduzir aquilo que você gosta, mas isso faz com que a arte seja unilateral, presa à forma.
No início desse ano (2019), a conclusão dos Vingadores se tornou a maior bilheteria da história do cinema. Durante meses, observei praticamente todos os artistas realistas desenhando retratos do Homem de Ferro, Capitão América e outros personagens. Lembro aos artistas que me acompanham que, neste caso, o seu retrato do Homem de Ferro será apenas mais um das centenas de milhares de pessoas que estão fazendo os mesmos retratos realistas do personagem. Onde está a ideia associada à forma? A originalidade?
O desenhista realista tem uma ferramente poderosíssima em mãos. Uma técnica pura e complexa que pode ser usada de diversas formas. O próprio sentido da palavra Criatividade está associada à Criação e não à cópia. O esforço de criar tendências e não segui-las. É aquele que traz a sociedade, a política, questões sociais, a filosofia em seu trabalho.
A união da pura forma com a ideia separa o desenhista daquele que desenha, o pintor daquele que pinta, o artista daquele que copia. Mas eu reconheço que não é um trabalho fácil. Entregar-se à ideia envolve pesquisa, auto-reflexão, paciência e saber lidar com a frustração. O artista deve, antes de mais nada, olhar para dentro de si e descobrir o que o define, o que ele(a) quer ver no mundo.
Ter o seu retrato realista de uma celebridade compartilhado pelo perfil dela é uma sensação deliciosa, digo por experiência, mas ser reconhecido como artista pela sua originalidade é incomparável. Não perca tempo desenhando (apenas) celebridades, busque a ideia para a sua forma, a sua ideia.
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